domingo, 21 de junho de 2009

Stultifera Navis ou o Elogio da Loucura

O louco na antiguidade era via de regra tratado como alguém portador de uma personalidade peculiar, diferente, alguém que julgava sob um erro de cálculo, não somente por critérios modernos em bases comportamentais. Na Palestina antiga, os nabis(também rabis) eram tolerados - e também respeitados pelas suas opiniões e mesmo insights proféticos - juntos dos anciões, as crianças e os dementes(de maneira análoga ao fato dos reis tolerarem as críticas feitas através de seus bufões ou bobos da corte). Não podemos esquecer que o próprio Cristo era um rabi(também traduzido como "mestre") ou rabbuni("mestre sagrado"). Na idade média, segundo uma terrível e totalizante imersão no universo imaginário da religião cristã, a intolerância com os loucos assumiu grandes proporções, de tal maneira que eram encerrados em grandes embarcações(stultifera navis) que, rejeitadas, navegavam a esmo sem portos de chegada. Contudo, três fatores simultâneos na vida urbana ocorreram nas cidades emergentes: 1) o planejamento urbanístico que definiu para a cidade latu sensu grandes espaços abertos, praças amplas e vias largas - evitando o refúgio de subversivos e contraventores em vielas, becos estreitos e habitações ou moradas de difícil acesso; 2) a construção de grandes c0mplexos penitenciários juntamente com 3) grandes complexos psiquiátricos, quando o louco não mais era considerado como alguém de juízo idiossincrático mas como indivíduos que se identificavam com os criminosos através do conceito comum de "distúrbio de comportamento". É desta época que se originaram pseudo-ciências tais como a frenologia e o estudo das feições, do crânio e da fisionomia, no marco da emergente eugenia. Assim, as sociedades científicas e de medicina acumulavam espécimes humanos com profundas distorções anatômicas, fisiológicas e de comportamento(tal como o "homem elefante"protagonista da conhecida película ou então o caso Woysec). Nos países do Leste Europeu, já que o regime político de tipo soviético era o melhor e mais adequado à sociedade civil, o indivíduo que se rebelava contra o Estado era imediatamente considerado anti-social e encaminhado para o hospital psiquiátrico segundo o diagnóstico de "desviante"). Via de regra, à semelhança do sistema prisional em sua universalidade, quem desafia o sistema psiquiátrico concorre para sua inevitável destruição, via camisas de força química e física(as primeiras representadas pelos psicofármacos e eletroconvulsioterapia- ou o choque elétrico - e a segunda pela simples contenção física através de camisas-de-força e amarras). É usual punir o paciente que tenta fugir com a contenção química e física, mesmo sendo para um indivíduo que não apresenta quaisquer traços de ameaça aos demais internos, o que indica uma grande parcela de perversidade e calculismo psicopata por parte dos "trabalhadores em hospitais e clínicas psiquiátricas" os quais estão mais próximos de algozes universais do que praticantes terapêuticos. A situação se torna ainda mais grave se considerarmos a realidade do sistema prisional psiquiátrico forense, instituição que a sociedade teima em varrer continuamente para baixo do tapete ao invés de enfrentá-la racional e abertamente. Nessas internações forenses, os internos são criminosos que transgrediram num modo de ser psiquiátrico, poderíamos dizer, são "contraventores demenciados", o que assusta ainda mais a sociedade fragilizada e incapaz de lidar com tais pacientes. No hospício forense, não há medicação livre e grátis, os pacientes e seus familiares(se é que ainda existem) devem comprar aquela medicação que não deveria ser vendida, pacientes dormem em colchonetes pelos corredores, a comida é simplesmente horrível; o ambiente, totalmente alienante: ali não há nenhuma possibilidade de recuperação e reabilitação da personalidade desviante ou criminosa. Esse é o quadro universal que define a instituição psiquiátrica latu sensu, agravada principalmente nas nações mais socialmente e economicamente precárias e pouco desenvolvidas, nas quais a realidade psiquiátrica é ainda motivo de vergonha social ou tabu(Spartacus).

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