sábado, 13 de junho de 2009

Breve Opúsculo sobre a História da AIT

Introdução:
A primeira internacional é geralmente considerada como criação de Marx e como sendo ela que "pela primeira vez coloca a libertação do proletariado em termos científicos, formulando o princípio da tomada do poder pelo proletariado". De fato, não se pode negar a importância do papel de Marx na criação da internacional. Foi ele quem redigiu os seus Estatutos e o Manifesto inaugural. Contudo, estes dois documentos, principalmente os Estatutos não se podem considerar "marxistas", pois tiveram que ser aceites pelos proudhonianos, pelos owenistas e pelos mazzinianos. O própro Marx reconheceu esse fato numa carta que escreveu a Engels: "era muito difícil, na redação, formular a nossa opinião de maneira a torná-la aceitável pelo ponto de vista atual do movimento operário. Levará tempo até que o despertar do movimento permita a antiga audácia de linguagem. É preciso ser "fortiter in re, suaviter in modo".
Na idéia da criação da internacional estava latente e tinha mesmo sido expressamente afirmada, no seio dos oprimidos, muito antes das iniciativas tomadas por Marx nesse sentido. Flora Tristan afirmava, em 1843, na L´Union Ouvriere, que "a União Operária, agindo em nome da unidade universal, não deve fazer nenhuma distinção entre os operárias e operários de qualquer nação da Terra". Joseph Déjacque, Ernst Coeurderoy e outros subscreveram, em 1855, o programa da associação internacional. Marx não é mais do que um elemento, na verdade influente, do grupo que se reuniu em Londres, em 22 de junho de 1863, num ato de solidariedade com a luta pela libertação da Polônia do jugo russo e que decidiu criar um "meio internacional de comunicação". Finalmente, em 28 de setembro de 1864, no Saint Martins´Hall, foi fundada a "Associação Internacional dos Trabalhadores, sendo aprovado o seu projeto de organização, elaborado por Henri Tolain, Perrachon e Limousin.
A internacional foi criada por um conjunto de elementos heterogêneos, vindos de diferentes horizontes ideológicos, mas todos munidos de um mesmo espírito socialista. Operários na sua grande maioria, elaboraram no primeiro congresso da AIT um esboço de uma teoria eminentemente coletivista e anti-estatal, que muito pouco deve a Marx. A maior parte dos militantes da internacional, extremamente desconfiados dos teóricos burgueses que, do alto da cátedra elaboram as suas teses, queriam construir a sua própria teoria e, se se referiam a uma "autoridade", era a Proudhon que recorriam.
De fato, Marx era um ilustre desconhecido para a maior parte dos aderentes à internacional. Exilado em Londres e atuando preferencialmente nos bastidores, só era conhecido por alguns "fiéis" exilados como ele e pelos alemães. Apesar de Marx ter tentado orientar o "movimento real" da classe operária, ao redigir os relatórios do Conselho Geral da AIT, estes estão longes de ser integralmente marxistas e são mal defendidos nos congressos, na maioria dos quais não participou pessoalmente.
Marx, sem influência real no desenrolar dos acontecimentos e com a entrada de Bakunin na AIT em 1869, começou a inquietar-se com o caráter do desenvolvimento que a internacional estava a ter e iniciou o processo de dominação que viria a culminar no congresso de Haia. No congresso de Basiléia(1869), deu-se a primeira escaramuça entre as duas tendências da internacional, a autoritária e a anti-autoritária, sobre o direito de herança. A proposta do Conselho Geral sobre esse assunto foi derrotada, o que levou Eccarius a deixar escapar a reveladora frase: "Marx ficará muito descontente".
Em 1870, no congresso da Federação da Suíça romanda, filiada à AIT, surgiu o conflito aberto entre as duas tendências dominantes e opostas no interior da internacional: as seções locais se dividiram, defendendo a minoria a ação política por parte dos trabalhadores e o restante uma ação anti-política, baseada em formas de organização e luta ao nível econômico e social. A partir de então, ir-se-ão evidenciar métodos de luta antagônicos e irreconciliáveis, entre estas duas tendências, entre os federalistas de um lado e os marxistas e blanquistas do outro. Se tomarmos como significativas duas cartas, uma de Marx e outra de Bakunin, em que se referem um ao outro, facilmente constataremos que a luta de tendências que irá se passar na história imediata da primeira internacional deriva principalmente de uma alternativa de métodos.
(Marx, em 27 de julho de 1869, escrevia a Engels, "Este russo quer, evidentemente, tornar-se o ditador do movimento operário. Que tenha cuidado. Senão, será excomungado".
Por seu lado, escrevia Bakunin a Herzen: (...) pode acontecer(...) que eu em breve eu serei obrigado a entrar em luta contra Marx, não por uma ofensa pessoal, mas por uma questão de princípio, em relação ao comunismo de Estado, do qual ele e a facção que dirige, inglesa e alemã, são partidários entusiastas. Pois bem, então, bater-nos-emos até a morte").
Destas afirmações ressalta claramente que Bakunin encarava as suas divergências com Marx como uma questão de princípios de que não abdicava e, como tal, para combater a tendência oposta, escolheu o debate de idéias e não ataques pessoais. Marx, pelo contrário(como pode ser verificado pelos documentos que apresentamos neste artigo), irá atacar pessoalmente Bakunin através de calúnias, intrigas e falcatruas, para asim combater os libertários, e nunca condescenderá em ter um debate aberto de idéias. Foi este o método escolhido por Marx para tentar tranformar a internacional num mero instrumento de aplicação prática e experimental das suas teorias. Mas a realidade da internacional evoluiu numa outra perspectiva que não a sua. Por isso, e de acordo com a sua mentalidade autoritária, depois do congresso de Haia preferirá provocar a ruína da AIT a aceitar sair vencido, como saiu.
Ainda hoje, é frequente tomar-se a oposição pessoal entre Marx e Bakunin como a causa das divergências teóricas e práticas dos internacionalistas da associação. Marx tudo fez para que a questão surgisse dessa maneira. No entanto, o conflito não era de personalidades, mas sim entre duas formas diferentes e irreconciliáveis de querer a revolução social:
1) por um lado, havia a vontade da libertação de indivíduos, que sentindo-se oprimidos e explorados, a pensavam e viviam na prática cotidiana, associando-se e organizando-se livremente para se llibertarem de todos os jugos;
2) por outro lado, a mania centralizadora, a vontade de dominação desse movimento auto-libertador por parte de "iluminados" que acreditavam predestinados, graças a sua "ciência" irrefutável e segundo os seus métodos, a conduzi-lo a bom termo.
Preparativos do Congresso de Haia:
Em setembro de 1871, realizou-se em Londres uma conferência convocada pelo Conselho Geral da AIT. Esta conferência foi considerada pela maioria das secções e das federações, um abuso do Conselho Geral pois, além de ausência de representatividade, as resoluções ali tomadas refletiram bem que a conferência serviu para que o Conselho Geral novos e mais vastos poderes: direito de suspensão das secções, federações e conselhos federais e a redação de novos estatutos, permitindo a Marx e Engels aí introduzir o princípio da predominância da ação política, com a consequente organização do proletariado em partido político.
A conferência de Londres pareceu assim como a primeira manobra declarada de Marx e Engels para transformar a internacional num instrumento privado de aplicação das suas teorias. Este fato provocou imediatamente reações por parte da maioria da federações, através da realização de congressos próprios, repudiando as resoluções tomadas em Londres. Tornava-se, enfim, evidente o conflito que já há muito se vinha delineando subterraneamente entre uma corrente autoritária e outra anti-autoritária.
Pretendendo pôr termo às "pretensas cisões" no interior da internacional, isto é, querendo dar o golpe de misericórdia nos seus adversários, Marx desde logo tentou estar em vantagem para a confrontação que ele sabia que se iria dar e que, inclusive, provocou. Em relação à escolha do local para a realização do congresso, propôs ao Conselho a cidade de Haia, aproveitando o fato da impossibilidade de seguir as resoluções do congresso anterior(que escolhera a cidade de Paris), devido aos acontecimentos de 1871 e também devido às perseguições contra a internacional, tanto em França como na Alemanha. Por seu lado e querendo também favorecer Marx, Lafargue escrevia a Engels, aconselhando-o:
"(...) É preciso que o próximo congresso seja na Inglaterra. Ali os bakunistas estarão derrotados mesmo antes de aparecerem. Podes tomar como pretexto as perseguições e a necessidade de entrar em contato com as Trades Unions para introduzi-las na internacional.(...) Manchester seria preferível, os franceses são aí menos numerosos".
Será a proposta de Marx a aceite em 11 de julho de 1871, pelo Conselho Geral, ficando marcado o congresso para a Holanda, na primeira semana de setembro.
Marx não tinha proposto a cidade de Haia sem uma razão específica. É que a realização do congresso na Holanda implicava para as secções meridionais um excessivo custo das viagens dos seus delegados o que provocaria a ausência de muitos deles, por falta de possibilidades monetárias. Também Bakunin, proscrito em França, na Alemanha e na Bélgica, se via impossibilitado de participar do congresso.
A federação do Jura, em desacordo com a escolha de Haia(precisamente pelos mesmos motivos pelos quais Marx a propusera), contrapôs a Suiça como o local mais indicado. O Conselho Geral argumentou que tinha sido da Suíça que partiram todas as discussões, não se devendo, portanto, aí realizar, uma vez que qualquer congresso sofre sempre a influência do local onde decorre.
Na preparação do congresso, Marx visava principalmente a derrota completa dos libertários. Assim, queria dirigir os seus ataques contra Bakunin, pela qual se lançou a fundo numa recolha de documentos que o comprometessem de algum modo enquanto pessoa e revolucionário. Por seu lado Engels encarregou-se da feitura de um dossiê de acusação contra a Aliança para a Democracia Socialista.
Marx começou a escrever a Danielson e Baranov, seus correspondentes em São Petersburgo, pedindo informações sobre Bakunin, Baranov forneceu-lhe dados para ele desconhecidos, que o interessaram bastante:
"(...) Em 1869 iniciou-se na Rússia, a tradução da obra(O Capital). O editor confiou a tradução a Bakunin que lhe tinha pedido trabalho(...). Ele tinha prometido ter pronta uma grande parte do primeiro volume no outono do mesmo ano. No entanto, Bakunin não satisfez estas condições, arrastou o trabalho e no fim de 1869 ou começos de 1870, o agente do editor recebeu uma carta de Netchaev o qual, em nome de um tal "bureau" o proibia de reclamar a tradução a Bakunin e lhe exigia que deixasse de o ameaçar a respeito do adiamento já recebido de 300 rublos de prata. O agente escreveu a Bakunin uma carta no qual o tornara responsável por esse estratagema, pensando que Netchaev nunca poderia ter dado, sem constrangimento de Bakunin, uma tal ordem(...)".
Na verdade, Netchaev tinha convencido Bakunin a abandonar a tradução de "O Capital" e a dedicar mais tempo ao trabalho ligado à causa revolucionária. Confiando em Netchaev, Bakunin condescendera em que ele tratasse de todos os assuntos com o editor. Foi então que Netchaev escreveu a referida carta em nome de um comitê inexistente. Bakunin só soube da atitude de Netchaev mais tarde, reconhecendo ter sido vergonhosamente enganado. Escreveu então a Netchaev a dizer-lhe que só permaneceria seu associado se deixasse de usar "métodos policiais e jesuíticos", acrescentando:
1) Você por-me-á fora de causa e desculpar-me-á inteiramente no que refere ao caso Lioubavine. Para esse efeito escreverá uma carta a Ogarev, a Tata, a Oserov e a S. Serehennikov, de acordo com a verdade, que eu não sei nada sobre a carta do tal comitê e que ela foi escrita sem meu conhecimento e contra a minha vontade.
2) (...) Você tem a minha resposta a Lioubavine e a guia dos 300 rublos aí incluída(...) e tendo ficado com ela para a expedir, você o fez ou não(...)"
Vê-se assim que Bakunin pretendia justificar-se perante Lioubavile quanto à paternidade da carta e quanto ao adiantamento recebido. Este tinha sido entregue a Netchaev para que o devolvesse ao editor. Foi Netchaev quem ficou com o dinheiro.
Depois de receber as informações de Baranov, Marx escreveu de novo a Danielson dizendo-lhe para estar em contato com agente do editor para que este lhe enviasse a carta de Netchaev.
"(...) Seria da maior utilidade para mim que essa carta me fosse imediatamente enviada. Como é um assunto simplesmente comercial e como no uso a dar à carta não será nomeado qualquer nome, espero que me consiga essa carta(...)"
Marx recebeu correspondência de Lioubavine, que enviava a carta perdida e que afirmava em sua carta:
"(...) Quero dizer para concluir o que penso sobre a carta que recebi do tal "bureau" em 1870. Nessa época, a participação de Bakunin na redação dessa carta pareceu-me evidente. Devo dizer que agora quando repenso calmamente em toda essa história, vejo que a participação de Bakunin não es´ta nada provada. A carta pode muito bem ter sido escrita por Netchaev sem que Bakunin estivesse ao corrente. A única coisa certa é que Bakunin deu provas de uma total má vontade em continuar o trabalho começado, apesar do dinheiro recebido(...)".
Foi com a carta de Netchaev que Marx inculpou Bakunin em Haia, ignorando as reservas de Lioubavile relativamente à culpabilidade de Bakunin. Por seu lado, Engels preparava o dossiê sobre a Aliança. A respeito desse assunto, Engels escreveu ao uma missiva ao Conselho Federal Espanhol a 24 se julho de 1872.
O Conselho Federal Espanhol publicou o texto integral da carta de Engels e a resposta do Conselho Federal em 18 de agosto de 1872, enfatizando que aquela carta tinha por objetivo "criar a confusão com o fim de tornar impossível o envio de delegados a Haia".
O Congresso de Haia e suas consequências:
No congresso de Haia, com apoio da tal "maioria", Marx e Engles conseguiram fazer aprovar todas as suas pretensões. Assim, relativamente aos Estatutos da AIT, foi aprovado o artigo 7A. "Na sua luta contra o poder coletivo das classes possuidoras, o proletariado só pode agir como classe constituindo-se em partido político distinto e oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes burguesas.
Esta constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e seu fim supremo: a abolição das classes.
A união das forças operárias, já obtida pela luta econômica, deve também servir de alavanca nas mãos desta classe, na sua luta contra o poder político dos exploradores.
Como os senhores da terra e do capital se servem sempre dos seus privilégios políticos para defender e perpetuar os seus monopólios econômicos e subjugar o trabalho, a conquista do poder político torna-se o grande dever do proletariado".
Relativamente ao aumento dos poderes do Conselho Geral, foram alterados os artigos 2 e 6, ficando o respectivo texto com a seguinte forma:
"Artigo 2: - O Conselho Geral é obrigado a executar as resoluções dos congressos e a garantir, em cada país, a estrita observação dos princípios, estatutos e regulamentos gerais da internacional.
Artigo 6: - O Conselho Geral tem igualmente o direito de suspender ramos, secções, conselhos ou comitês federais e federações da internacional até o próximo congresso(...)".
Bakunin e Guillaume foram expulsos por uma "maioria" de votos por pertencerem à Aliança e pela atividade por esta desenvolvida. Foi ainda resolvido transferir o Conselho Geral para Nova Iorque.
A seguir ao congresso de Haia, as federações anti-autoritárias reuniram-se em congresso em Saint-Imier, a 15 de setembro de 1872, para darem uma resposta enérgica à tal "maioria" vencedora em Haia, mostrando bem a sua posição relativamente às resoluções que lá tinham sido tomadas e se organizarem para a continuação da luta emancipadora, com a criação de um pacto de solidariedade e de defesa mútua. Nesse congresso, foram aprovadas várias resoluções significativas, considerando-se acima de tudo que "autonomia e a independência das federações e secções operárias são a primeira condição da emancipação dos trabalhadores; que se construa um pacto de amizade, solidariedade e defesa mútua entre as federações livres; que a natureza da ação política do proletariado deve ser tal que a destruição de qualquer poder político é o primeiro dever do proletariado".
Anexos:
Em Londres, a 26 de janeiro de 1873, considerou-se que o congresso de Haia foi ilegalmente constituído, que sua maioria era uma maioria fictícia, criada com o fim de aniquilar os verdadeiros representantes da Associação. Que as resoluções que foram votadas são subversivas em relação ao pacto fundamental da Associação, o qual reconhece a cada federação o direito de decidir sobre a linha de sua conduta. Que o programa desse congresso não foi anteriormente comunicado às secções, como prescrevem os estatudos gerais. O congresso da federação inglesa repudia as resoluções tomadas no congresso de Haia e o seu representante, o pretenso Conselho Geral de Nova Iorque. O congresso declara que a federação inglesa continuará a realização do programa social e político adotado pelo congresso de Nottingham. A federação inglesa estabelecerá relações com todas as federações pertencentes à Associação e cooperará com a maioria para realizar um congresso internacional logo que se julgue necessário(Spartacus).

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